Quarteto de veludo
Quarteto de veludo, de Jude Deveraux, editado pela Leya – Quinta essência – cuja 1.ª edição data de 2018 a 2020, com os títulos Promessa de Veludo, Pele de Veludo, Balada deVeludo e Anjo de Veludo é uma macro-história que apresenta os quatro irmãos Montgomery: Gavin, Stephen, Raine e Miles que se encontram unidos pelo destino da família e as suas aventuras românticas.
Amor, paixão, sedução, traição, ódio, vingança, coragem, punição, mas também compaixão são as palavras de ordem para quem se vai estrear no Quarteto de Veludo. O leitor é, logo nas primeiras páginas, situado nos anos 1500, fazendo com que este New Adult Romance seja de época. Assim há a referir que tudo se passa numa Inglaterra governada pela dinastia Tudor, que chegou ao poder em 1485, quando Henrique VII venceu a Batalha de Bosworth e foi coroado. Todo sabem que este foi um dos marcos que impôs o fim da «Guerra das Rosas», entre os Lancaster e os York, e que a Inglaterra voltou a unir as forças políticas e sociais, quando Henrique VII, o primeiro monarca da dinastia Tudor subiu ao trono. Anote-se, os romances A Rainha Branca e A Rainha Vermelha, ambos romances de Philippa Gregory, cujas personagens representam as duas casas. Portanto, temos neste quarteto, a Inglaterra que abre caminho para a reforma religiosa, o crescimento da economia e as tensões políticas e sociais que serão notórios no reinado de Henrique VIII.
Este período histórico em Quarteto de Veludo coloca-nos na Inglaterra dos nobres, dos castelos, da riqueza da corte, dos torneios de cavalaria, dos banquetes. Mas, a escritora não se esqueceu de chamar à cena a miséria do povo, daqueles que traem por uma moeda de ouro e que se deixam subornar para calar a fome. É, pois, o que acontece com uma criadita da família que, após trair a sua senhora e deixá-la às portas da morte, se arrepende, pedindo proteção divina para a sua alma atormentada, em Promessa de Veludo.
Neste romance, a história dos quatro irmãos, rege-se por tomadas de decisões, vontades, situações que destacam estas personagens das demais. A sua determinação une-os enquanto membros de uma mesma família, mas também os distingue enquanto indivíduos.
Em Promessa de Veludo, Gavin surge como é esperado num livro deste género literário. É um belíssimo homem, cuja personalidade obriga a um reparo sistemático, pois vive num triangulo amoroso. Dividido entre Judith Revedoune, que se torna sua esposa, e Alice, sua amante de sempre, Gavin é apresentado como um homem experiente, mas totalmente depende da vontade de Alice. Como também é esperado, estas duas mulheres terão movimentações adversas. O leitor irá, de imediato, identificar-se com Judith, admirando-a pela sua coragem e tenacidade, ao mesmo tempo que repudia as atitudes de Alice que se move numa teia de mentiras e intrigas. O happy end também é esperado, logo rejubilamo-nos com os demais sucessos de Judith, sobretudo quando o amor vence e ela se entrega por inteiro ao marido por quem se sacrificou e até foi resgatar de uma morte certa.
Apercebemo-nos igualmente que este tempo é o das mulheres sem voz que tinham obrigatoriamente de obedecer aos seus maridos que eram, afinal, os seus senhores, contudo, Judith desafia o marido. Esta emancipação feminina pode parecer forçada, até porque, Gavin, tolera-a e admira-a, e ela vai voltar a surgir nas esposas dos outros três irmãos, mas, estamos perante um New Adult Romance, logo esta espécie de fuga ao inteligível é perfeitamente aceitável, até porque as quatro histórias dependem em absoluto das ações destas mulheres.
Em Pele de Veludo a saga da família Montgomery continua, mas, desta vez Stephen é o protagonista que vai juntar-se a um clã escocês por conta de um casamento arranjado pelo rei. Entramos, assim, na Escócia dos nobres e dos diversos clãs, cada um com seu próprio território, líder e lealdades sobretudo ao nível das influências política e militar. Nomearia muitos, nomes, mas os mais relevantes são os clãs Campbell, MacDonald, MacGregor (de que nos fala esta história) e o clã Friser. Quem não se lembra da extraordinária saga “Outlander” e de Claire e de Jamie Fraser?
É igualmente a Escócia aguerrida de Jaime IV que foi um dos monarcas mais influentes da dinastia Stuart e desempenhou um papel significativo na história do país devido às suas políticas expansionistas. Ora, tendo uma personagem inglesa que é Stephen Montgomery e uma personagem feminina que é escocesa − Bronwyn MacArran, que é a sua esposa, vamos ter os ingredientes necessários para que a história seja tudo menos sossegada. Ambos de personalidades vincadas, os cônjuges vão ter de se adaptar. A grande surpresa de Bronwyn é aperceber-se que o marido – um estrangeiro imposto pelo rei – se está a integrar muito bem no seu clã, sendo as suas ideias muito consideradas pelos demais.
Pele de veludo é uma história simples que, tal como o primeiro livro, nos reporta para uma época cronologicamente bem longínqua., onde as personagens lutam pelos seus sonhos, para impor os seus ideais, na defesa dos seus familiares e amigos, fazendo com que as noções de entrega e lealdade sejam uma constante contra os seus oponentes e rivais.
Balada de Veludo, o terceiro livro do quarteto, tem como protagonistas de toda a intriga Raine Montgomery e Alyx, uma jovem, cuja família foi cruelmente assassinada. Acusada de bruxaria esta tem de fugir, fazendo-se passar por um escudeiro. Temos de novo como pano de fundo a Inglaterra dos nobres, mas desta vez, a família Montgomery já não está nas graças de Henrique VII e Raine tem de viver escondido na floresta com uma orla de bandidos e criminosos, mas também com aqueles que se viram atirados para a miséria, porque os seus senhores foram expropriados das suas terras. O monarca, cuja intenção governativa se gere por uma ganância desmedida, parece sobreviver das intrigas e supostas traições que uns e outros nobres lhe trazem, desferindo para todo o lado golpes de uma ira premeditada, arrecadando com isso terra e terras. Estamos assim mais do que nunca numa Inglaterra empoderada pela mentira e pela intriga e desvalida de valores como a honra e a lealdade.
Contrariamente aos dois primeiros livros, esta história tem a diegese divida em duas partes. A primeira, a meu ver, caraterizadora de um New adult Romance sem cumprir o pacto de ficcionalidade (os diálogos entre Raine e Alyx são demasiado infantilizados, o que fragiliza a verosimilhança necessária, na medida em que não é respeitada a diferenciação de classes, que era incontornável na época. Não nos esqueçamos que Alys se faz passar pelo seu escudeiro, logo deve-lhe obediência e, acima de tudo, deve servi-lo sem objeções). Na segunda parte do livro, porém, a narrativa altera-se e o leitor vê-se, de novo, envolvido numa escrita que setorna de novo espontânea e agradável, onde o enredo ganha forma de forma plausível.
A figura da mulher fatal, mentirosa, perniciosa é substituída pela esposa que também sabe ser sedutora, mas que é mãe, irmã e, por tudo isso se preocupa pelo bem-estar dos seus, o que a leva a tomar medidas que lhe podem custar inclusive a desaprovação do próprio marido. Logo é a mulher audaz e consciente, cujo comportamento será recompensado, e que é reconhecida e elogiada.
Anjo de Veludo termina a saga Veludo. E não restam dúvidas de que a intenção da escritora foi mesmo a de escrever o livro que encerra a história destes quatro irmãos e das suas novas famílias. Famílias, contudo, que constituem a grande família Montgomery. Ora, é sobre esse aspeto que gostaria de me debruçar, neste momento. Em Anjo de Veludo, surgem-no, mais do que em qualquer outro livro da saga, o ser humano comprometido com o outro, pois as personagens, cujos laços são de fraternidade ou amizade, amam-se, cuidam umas das outras e respeitam-se. Como é evidente, a relação de amor que se vai construindo entre Miles e Elisabeth Chatworth, irmã de um dos seus maiores rivais, é conturbada, até porque, logo no início da história, sabemos que Elisabeth não passa de um trofeu para Miles, mas vai alterar- se, passando ambos a amarem-se.
Interessante é também perceber como é que estes quatro irmãos se relacionam e influenciam as restantes personagens. Mesmo se todos têm características fortes que os distinguem, funcionam em bloco, como se de um só se tratasse. Estão presentes na tristeza, nas dificuldades e nas celebrações desta família. O amor fraterno entre as quatro cunhadas é igualmente algo a ser referenciado, pois, a ideia de família, pretendida pela autora é plenamente conseguida. As esposas destes irmãos são voluntariosas e conscientes dos seus propósitos, todavia, respeitam-se umas às outras, defendendo-se e apoiando-se. O reparo feito por Judith ao cunhado, Miles, que não teve a sensibilidade de se aperceber que Elisabeth se arrastava atrás dele, suja e descomposta, após ter sido resgatada, é disso exemplo. E chegados às últimas páginas, o leitor percebe que a jornada destas personagens foi balizada por noções claras de carinho, amizade, entrega e lealdade, onde a verdade e o reconhecimento e a aprendizagem são efetivas na construção das personagens.
Acresce dizer e para terminar que o New Adult Romance, acrescentaria de época, Quarteto de Veludo apresenta-se como um todo, onde os epítetos das famílias aristocráticas anunciam personagens que nos remetem para uma época longínqua, muito do agrado do leitor que elege este género literário como leitura de fruição e que quer envolver nas intrigas e desafios daí decorrentes.